quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A minha Índia

A minha Índia é quente e húmida, com uma luz tão forte que faz o céu parecer branco
é um caldeirão de gente, carros e rickshaws e um coro de buzinas numa nuvem de poluição
é a aventura do trânsito sem regras
é o barulho e o alívio do silêncio
é aquele tique que eles têm com a cabeça
é dar por mim a fazer o mesmo
é a obsessão da simetria
são moscas
são as cores dos saris e das bancas de fruta
são papaias gigantes, côcos, romãs, mangas e eu sem lhes poder tocar
é o picante a disfarçar o podre e
é inexplicavelmente bom
é palak paneer e chicken masala
é cerveja Kingfisher e carros Tata
é cheiro de urina, fezes e lixo cortado pelo incenso
é merda de vaca nos pés
são dezenas de pessoas à frente de televisões na rua à hora da telenovela
são filas para mulheres e filas para homens - colados uns aos outros
são casas pequenas e velhas de todas as cores enroladas em centenas de cabos
são escarras no chão
são terraços
é o pôr-do-sol côr de rosa
é regateada
são grades nas janelas para que os macacos não entrem em casa
é o barulho da ventoinha durante a noite
são lençois sujos e não me importar com isso
são vacas no meio da estrada, cabras, búfalos, macacos, cascaveis, camelos e um elefante numa rua apertada
são morcegos, esquilos, cães anestesiados pelo calor, são tantas águias que eu tinha certeza que só podiam ser pombos
é o céu coberto de papagaios e eu boquiaberta
são cidades rosa e cidades azuis
são imensidões de verde mesmo depois de três anos de seca
são meias-estradas porque o dinheiro não dava para mais.
são dentes brancos e órbitas curiosas a saltar da pele ainda mais escurecida pela sujidade
são palácios e templos de renda mal tratados
são pacotes de tabaco de mascar a forrar o chão
são mulheres a lavar a roupa no rio
são crianças a pedir que lhes tiremos fotografias
são dores de barriga, pão, arroz e coca-cola
é o cheiro a fritos
é lixo
é mendiga
é o céu de cinzas de Varanasi
são crematórios a céu aberto
é acreditar que a morte é mais um início e não um fim
é gente a dormir no chão
é não perceber se estão vivos
é sentir-me esmagada com a naturalidade da miséria
é ter de fingir que isso não nos impressiona
é a sobrevivência
são homens a passear de mão dada
é um leque de deuses para cada ocasião
são viagens intermináveis de nariz colado à janela
é acordar sempre com um sorriso
sou eu feliz, feliz, como não me sentia há muito tempo.

6 comentários:

Tita disse...

isso é...Ghandi?!?!?!? :)

macaca grava-por-cima disse...

não... isso é Impulse!!!

(agora mais a sério, tou aqui com a lagrimita no canto do olho e o coração cheio da tua Índia, e estou feliz por ti)

Anónimo disse...

Este post deixou-me nostálgica...
Lembro-me de tantas destas coisas...
Os elefantes "maquilhados", o caos do trânsito, macacos à pendura em bicicletas conduzidas por miúdos, senhoras a andar na praia de cesta na cabeça, a vender ananás e melancia, em vez de venderem bolas de berlim, os penteados, as roupas, os acessórios...
Ai, macaquinha, que já me puseste a suspirar...

macaca bzana disse...

Em primeiro lugar quero dar-te os parabéns!!! Fantástico post, muito bem escrito e que nos transporta naturalmente para a tua Índia.
Em segundo lugar fico feliz, muito feliz, com as tuas últimas palavras! Quero-te sempre assim! ;) Abraço apertadinho amiga do meu coração.

Unknown disse...

uau!!que índia maravilhosa :)

tb te quero sentir sempre assim querida mex.beijinho grande,M.

rosa disse...

esta é a nossa inês.
:)