Quem me conhece sabe que eu sou uma rapariga sensível. Pouco dada à lamechice mas, mesmo assim, sensível. Protejo os coitadinhos, gosto de crianças e velhotes, choro no cinema, compro revistas de decoração e teimei que ia aprender a tocar clarinete... Os mais distraídos podem achar que sou um verdadeiro pãozinho sem sal que tudo o que quer da vida é o pacote pré-formatado do emprego para a vida, o rebanho de filhos guardado por um golden retriever e casar-me na igreja vestida de branco. Mas não. E neste quadro idílico aceitaria mais facilmente o golden retriever (apesar do pêlo e do cheiro a cão) do que o casamento. Há já vários anos que comecei a perceber que dificilmente o meu caminho passaria por aí. Primeiro achei que era da idade, depois achei que era pseudo-rebeldia... alguns anos depois percebi que simplesmente não faz sentido para mim. Mas, ao mesmo tempo, o não fazer sentido não fazia sentido. Achei sempre que um dia ia encontrar aquela pessoa que me ia fazer mudar de ideias simplesmente porque tudo faria sentido com ela. As minhas amigas iam casando e por muito feliz que eu ficasse por elas, por saber que era o que elas queriam, perguntava-me sempre de onde vem esta necessidade. O que é que o casamento traz? E as respostas sempre me soaram coxas. Perguntei a todos: porquê? E acho que até hoje só uma resposta me satisfez, a de quem me disse que, entre muitas coisas, era importante ter aquela relação abençoada por Deus. E eu que também nessa instituição não acredito, senti que naquele caso aquela resposta tão honesta me preencheu.
Hoje de manhã, quando peguei na Visão desta semana e vi um artigo de opinião do Freitas do Amaral sobre O que é o casamento, lá se levantaram as antenas. Acho sempre que é desta que vou perceber. Não foi, obviamente, e o nome do autor deveria ter sido suficiente para chegar a essa conclusão. Entre outras considerações e a propósito do casamento homossexual, o nosso amigo Freitas explica-nos, comuns mortais, que o casamento é "uma tradição de quase cinco milénios" que "foi sempre uma união heterossexual, monogâmica e tendencialmente duradoira, cujo regime jurídico tem sobretudo em vista impor aos pais deveres sérios em relação aos filhos" e contribuir "para a sobrevivência da espécie humana". MAS atenção! Não vão os mais precipitados concluir que este senhor é tolo, porque na verdade ele considera "errado afirmar que o casamento tem por fim a procriação"! E acelera em considerações sobre como os pais são as pessoas indicadas para proteger as crianças, tão vulneráveis e dependentes. Certo. E o que é que o cú tem a ver com as calças, ó Freitas? Os pais que não são casados não são pais? Até eu que tive a mais miserável das notas a filosofia me lembro do que é uma falácia e esta é daquelas bem descaradas. É uma falaciona! Isto porque a conclusão do seu raciocício, tão previsível, é: "sendo isto assim - pelo menos desde há (sic) cinco mil anos - não parece fazer sentido chamar casamento às uniões familiares homossexuais" porque "não sao geradoras de descendência própria nem precisam, portanto, dos direitos de deveres dos pais em relação aos seus filhos".
Não só não ajudaste, como pioraste. Se o casamento é isto, então anda uma civilização perdida atrás de uma falácia.
Não pensem que não acredito no amor, que não acredito nas relações para a vida, que não acredito na entrega. Mas para mim os votos fazem-se e respeitam-se todos os dias. Nuns mais do que noutros, é certo. Mas no dia em que for um papel a fazer-me ficar, a minha vida será tão triste..
Não sou contra o casamento e acho tão ridículo quem o defende de olhos fechados como quem o rejeita em qualquer caso. Acredito que há de haver um segredo bem guardado que explica que este tenha sido decretado um dos grandes passos e um dos alicerces da vida em sociedade. Haverá aqui uma confusão com a ideia de família? Sei definitivamente que não sou uma iluminada mais esperta do que os outros todos que seguem esta "tradição de quase cinco milénios", mas então expliquem-me. E, ó Freitas... menos, menos.